SOBRE O FILME "DEAD RINGERS" (1988)
Este filme está, decerto, entres os mais instigantes e interessantes a que já tive a oportunidade de assistir. Como sói acontecer em sua cuidadosamente elaborada obra, o respectivo diretor David Cronenberg, mais uma vez, procura escrutinar os tênues limites envolvidos na problemática dicotomia entre natureza e civilização, desincumbindo-se com a comezinha maestria.
Muitas questões são abordadas na película, mas destaco o aberrante relacionamento entre os gêmeos univitelinos Elliot e Beverly Mantle, renomados ginecologistas de Toronto, com a infértil e mutante atriz Claire Niveau, dotada de um igualmente aberrante útero trifurcado.
Beverly, o mais sentimental dos gêmeos, logo apaixona-se por Claire e passa a compartilhar com ela um deletério vício por medicamentos controlados. Aqui já exsurge a questão: fármacos são de fato uma prova da transformação bem sucedida da natureza pela civilização? O que dizer dos efeitos colaterais e da dependência química?
Obcecado com sua parceira trifurcada e manipuladora, Beverly incorre em psicose e encomenda a um artista a confecção de instrumentos ginecológicos com formas orgânicas grotescas para, supostamente, operar mulheres mutantes, instrumentos estes que evocam a arquitetura de Antoni Gaudí ou a geometria fractal de Benoit Mandelbrot: aqui a natureza orgânica impõe-se à ciência linear inventada pela civilização.
Mas o interessante mesmo do filme, e que o faz muito atual para nós brasileiros, é a questão da pretensa onipotência da ciência, aquela mesma capaz de transformar médicos (ginecologistas) em monstros.
(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)
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