domingo, 29 de março de 2015

LÁGRIMAS DE MARÇO ENCERRANDO A CANÇÃO.

CINZAS DE MARÇO

Herberto 
Hélder
Tomas 
Tranströmer
Mestres
Menestréis
Mortos no
Macabro
Mórbido
Malsinado
Mês de 
Março.

   

sexta-feira, 27 de março de 2015

O SAL DA TERRA

O SAL DA TERRA: UMA QUESTÃO COMPLEXA

O belíssimo filme “O sal da terra”, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, expõe com maestria a transbordante sensibilidade de Sebastião Salgado, um artista que se ocupa verdadeiramente dos indivíduos humanos e é habitualmente relacionado com a esquerda política.

Essa obra exibe a peculiar trajetória do artista, a qual inicialmente focava a vida dos trabalhadores e o sofrimento das populações desterradas, para finalmente debruçar-se sobre a natureza no livro “Gênesis”.

Parece, pelo depoimento do próprio Sebastião Salgado, que o artista deixou de retratar indivíduos, deslocando seu foco para a natureza, após deparar-se com a maldade humana mais crua no genocídio de Ruanda.

Aqui caberia, no meu humilde entendimento, a pergunta: teria Sebastião Salgado, sendo de esquerda, alguma forma de ligação com o marxismo? Essa questão antolha-se-nos deveras complexa, pelo seguinte:

Karl Marx, a certa altura da exposição em “O capital”, afirma que, conquanto os capitalistas fossem meros representantes de relações de produção, não os desculparia pelas atrocidades cometidas contra os trabalhadores. Isso ensejou ou influenciou, na França por exemplo, interpretações filosóficas antípodas.

Com efeito, o estruturalista Louis Althusser compreendia o marxismo como uma forma de anti-humanismo teórico, o que justificava, de certa forma, a violência revolucionária anticapitalista e, por óbvio, a aniquilação física de indivíduos. O problema com tal concepção está em explicar como os indivíduos, meros vetores de determinações estruturais do capital, podem ser culpados por seus atos e punidos por isso.

Já o existencialista Jean-Paul Sartre entendia o marxismo como um humanismo, atribuindo uma grande importância aos indivíduos, mas descurava das relações de produção contraídas involuntariamente entre os mesmos, às vezes até contra e apesar deles.

Fosse, então, Sebastião Salgado um marxista, seria sartreano ou althusseriano? Parece que, ao deixar de lado os indivíduos para retratar a natureza, depois de conhecer de perto a maldade humana na África, esse artista aproximou-se dos ecologistas, mas permanece sendo um cidadão de esquerda que deseja contribuir para, de alguma forma, salvar a humanidade de si própria, ou seja, da autodestruição.

sábado, 21 de março de 2015

LEVIATÃ

No recente e internacionalmente aclamado filme russo intitulado “Leviatã”, vemos uma família de trabalhadores manuais, moradora de um gélido vilarejo nos confins do Mar de Barents, ser impiedosamente aniquilada por um prefeito corrupto, um verdadeiro gângster, só porque o chefe da família ousou insurgir-se contra uma injustiça contra ele cometida por tal prefeito, especificamente em uma questão de preço aviltante de indenização por desapropriação.

Sobre o prefeito (ou deveríamos dizer, “sobre o gângster”?), somente sabemos que se trata de um pai de família e devotado cristão ortodoxo, e aí é que começam as controvérsias deflagradas pelo filme: a corrupção é um fenômeno endógeno ou exógeno ao Estado, quer dizer, o prefeito já era gângster antes de se eleger, ou tornou-se malfeitor depois, por ser prefeito? O filme não responde a essas questões, mas suscita-as, então vemo-nos na oportunidade de comentar a propósito, o que nos parece frutífero e útil em conjuntura de combate à corrupção e reforma política aqui no Brasil.

Ora, no meu texto intitulado “O legado londrino”, publicado neste blog, procurei investigar historicamente como as sociedades dividem-se em três instâncias, a saber, trabalho, capital e Estado, o que pressupõe que esta última, conquanto identificada com o aparelho burocrático-militar, consiste em relação de produção, portanto relação social e histórica entre os indivíduos. Mas o Estado também exibe a característica de ser anterior ao advento do capitalismo, ele é na verdade uma herança ainda dos tempos da Antiguidade, quando predominava a propriedade fundiária e não o capital, e portanto exibe longevidade, maleabilidade e flexibilidade históricas dignas de nota, tendo sobrevivido a muitas reformas e revoluções.

Logo, o Estado, seja ele dominado por latifundiários, capitalistas ou trabalhadores, exibe uma grande resiliência a ser considerada, e por isso uma reforma política tímida e mal conduzida pode resultar em água, quando não piorar as coisas.

Tudo parece indicar que a corrupção sempre existiu, com maior ou menor intensidade, no âmbito estatal, e o melhor caminho talvez seja tornar o Estado mais permeável ao controle e vigilância da população em geral, seja pela democracia direta, seja pela maior transparência, seja pelo financiamento público das campanhas políticas ou outra medida qualquer com esse escopo de revigorar a democracia.

Mas o certo é que tais medidas, para extirpar ou mesmo somente mitigar a corrupção, deverão contrariar interesses poderosíssimos, logo devem ser implantadas com apoio de grande e suprapartidário pacto social, sem o qual a corrupção remanescerá aniquilando, sem misericórdia, indivíduos e famílias desavisados.

sexta-feira, 20 de março de 2015

DAVID CRONENBERG E A DOBRA DO CAPITAL.

Não é por acaso que o mais recente filme de David Cronenberg, intitulado "Mapas para as estrelas", ambienta-se na Califórnia: esse Estado norte-americano não é apenas o epicentro da indústria cinematográfica, mas representa, com seu Vale do Silício, a locomotiva hodierna do capitalismo mundial.

Essa obra de Cronenberg trata sobretudo da dobra que a família faz sobre si mesma no incesto, o que a conduz à autodestruição. Mas cuida também do "mundinho" de Hollywood, cujos protagonistas vivem em um círculo auto-referente que gira em torno de si mesmo de forma incessante, triturando tais protagonistas impiedosamente: mais uma vez, uma maneira de dobrar-se sobre si mesmo e autodestruir-se. 

Mas o capitalismo mundial, impulsionado pela Califórnia, também faz suas dobras, as quais poderão conduzir, em futuro incerto, à sua autodestruição, como vaticinou Karl Marx. Eu mesmo, aqui neste blog (vide "Conjecturas sobre capital, obsolescência e universalidade"), tentei alertar para isso: a necessidade de arrostar a queda tendencial da taxa de lucro determina que o capital seja obrigado a criar continuamente novos valores-de-uso, novas necessidades humanas, cuja característica consiste em aumentar a velocidade de circulação do próprio capital, de tal sorte que a reprodução do capitalismo fica cada vez mais difícil.

O mestre David Cronenberg, mais uma vez, exibe sua fértil genialidade.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)           

       

sábado, 7 de março de 2015

A DOBRA

A DOBRA

Jean Piaget, em sua epistemologia genética, descreveu o desenvolvimento cognitivo do indivíduo como processo de descentração: indistinção entre sujeito e objeto do conhecimento na fase do pensamento pré-operatório; distinção entre realidade interna e externa ao indivíduo, com decorrente diferenciação entre sujeito e objeto do conhecimento, na fase do pensamento operatório concreto; finalmente, o que denomino “dobra”, a saber, o indivíduo que já pode colocar a si próprio como objeto do conhecimento, na fase do pensamento operatório formal.

Arriscaria que tal evolver, tal descentração acontece também na história do conhecimento ou da ciência da humanidade em geral, de sorte que, nesse caso, por assim dizer, a ontogênese recapitula mais uma vez a filogênese.

Tomemos como exemplo o pensamento de Hegel: ele foi um dos pioneiros a atribuir inteligibilidade à história social, ou das sociedades, com sua dialética idealista. Todavia, esse idealismo absoluto adstringe a inteligibilidade à história do ser humano, porquanto somente o homem exibiria o atributo da razão de que o real é fruto, de tal sorte que resta impossível a inteligibilidade da história natural ou do universo, anteriores ao advento do homo sapiens.

O materialismo de Darwin e Marx já representa uma evolução ou salto de qualidade em relação ao idealismo absoluto de Hegel, pois permite apreender a inteligibilidade da história anterior ao advento da humanidade, vez que o ser humano deixa de estar no centro do universo: eis o nítido processo de descentração, observável também, verbi gratia, na história da suplantação das teorias geocêntrica e heliocêntrica, ou na superação da gravidade de Newton pela relatividade de Einstein.

Em todos esses casos, a humanidade foi capaz de se deslocar do centro do universo e colocar-se como o próprio objeto do conhecimento, realizando uma dobra sobre si mesma.

(Por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)