O SAL DA TERRA: UMA QUESTÃO COMPLEXA
O belíssimo filme “O sal da terra”, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, expõe com maestria a transbordante sensibilidade de Sebastião Salgado, um artista que se ocupa verdadeiramente dos indivíduos humanos e é habitualmente relacionado com a esquerda política.
Essa obra exibe a peculiar trajetória do artista, a qual inicialmente focava a vida dos trabalhadores e o sofrimento das populações desterradas, para finalmente debruçar-se sobre a natureza no livro “Gênesis”.
Parece, pelo depoimento do próprio Sebastião Salgado, que o artista deixou de retratar indivíduos, deslocando seu foco para a natureza, após deparar-se com a maldade humana mais crua no genocídio de Ruanda.
Aqui caberia, no meu humilde entendimento, a pergunta: teria Sebastião Salgado, sendo de esquerda, alguma forma de ligação com o marxismo? Essa questão antolha-se-nos deveras complexa, pelo seguinte:
Karl Marx, a certa altura da exposição em “O capital”, afirma que, conquanto os capitalistas fossem meros representantes de relações de produção, não os desculparia pelas atrocidades cometidas contra os trabalhadores. Isso ensejou ou influenciou, na França por exemplo, interpretações filosóficas antípodas.
Com efeito, o estruturalista Louis Althusser compreendia o marxismo como uma forma de anti-humanismo teórico, o que justificava, de certa forma, a violência revolucionária anticapitalista e, por óbvio, a aniquilação física de indivíduos. O problema com tal concepção está em explicar como os indivíduos, meros vetores de determinações estruturais do capital, podem ser culpados por seus atos e punidos por isso.
Já o existencialista Jean-Paul Sartre entendia o marxismo como um humanismo, atribuindo uma grande importância aos indivíduos, mas descurava das relações de produção contraídas involuntariamente entre os mesmos, às vezes até contra e apesar deles.
Fosse, então, Sebastião Salgado um marxista, seria sartreano ou althusseriano? Parece que, ao deixar de lado os indivíduos para retratar a natureza, depois de conhecer de perto a maldade humana na África, esse artista aproximou-se dos ecologistas, mas permanece sendo um cidadão de esquerda que deseja contribuir para, de alguma forma, salvar a humanidade de si própria, ou seja, da autodestruição.