No recente e internacionalmente aclamado filme russo intitulado “Leviatã”, vemos uma família de trabalhadores manuais, moradora de um gélido vilarejo nos confins do Mar de Barents, ser impiedosamente aniquilada por um prefeito corrupto, um verdadeiro gângster, só porque o chefe da família ousou insurgir-se contra uma injustiça contra ele cometida por tal prefeito, especificamente em uma questão de preço aviltante de indenização por desapropriação.
Sobre o prefeito (ou deveríamos dizer, “sobre o gângster”?), somente sabemos que se trata de um pai de família e devotado cristão ortodoxo, e aí é que começam as controvérsias deflagradas pelo filme: a corrupção é um fenômeno endógeno ou exógeno ao Estado, quer dizer, o prefeito já era gângster antes de se eleger, ou tornou-se malfeitor depois, por ser prefeito? O filme não responde a essas questões, mas suscita-as, então vemo-nos na oportunidade de comentar a propósito, o que nos parece frutífero e útil em conjuntura de combate à corrupção e reforma política aqui no Brasil.
Ora, no meu texto intitulado “O legado londrino”, publicado neste blog, procurei investigar historicamente como as sociedades dividem-se em três instâncias, a saber, trabalho, capital e Estado, o que pressupõe que esta última, conquanto identificada com o aparelho burocrático-militar, consiste em relação de produção, portanto relação social e histórica entre os indivíduos. Mas o Estado também exibe a característica de ser anterior ao advento do capitalismo, ele é na verdade uma herança ainda dos tempos da Antiguidade, quando predominava a propriedade fundiária e não o capital, e portanto exibe longevidade, maleabilidade e flexibilidade históricas dignas de nota, tendo sobrevivido a muitas reformas e revoluções.
Logo, o Estado, seja ele dominado por latifundiários, capitalistas ou trabalhadores, exibe uma grande resiliência a ser considerada, e por isso uma reforma política tímida e mal conduzida pode resultar em água, quando não piorar as coisas.
Tudo parece indicar que a corrupção sempre existiu, com maior ou menor intensidade, no âmbito estatal, e o melhor caminho talvez seja tornar o Estado mais permeável ao controle e vigilância da população em geral, seja pela democracia direta, seja pela maior transparência, seja pelo financiamento público das campanhas políticas ou outra medida qualquer com esse escopo de revigorar a democracia.
Mas o certo é que tais medidas, para extirpar ou mesmo somente mitigar a corrupção, deverão contrariar interesses poderosíssimos, logo devem ser implantadas com apoio de grande e suprapartidário pacto social, sem o qual a corrupção remanescerá aniquilando, sem misericórdia, indivíduos e famílias desavisados.
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