sexta-feira, 25 de novembro de 2016

FRANCOFONIA

Assistindo ao belo filme de Alexander Sokurov intitulado "Francofonia", não pude deixar de pensar na lição legada por uma vítima do nazismo, o filósofo alemão Walter Benjamin, que nos transmitiu estas sábias palavras:

“Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são os que chamamos de bens culturais. Todos os bens materiais que o materialista histórico vê têm uma origem que ele não pode contemplar sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corveia anônima de seus contemporâneos. Nunca houve um monumento de cultura que também não fosse um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.”

Por uma ironia do destino, os nazistas não saquearam nem destruíram o museu do Louvre, cujo acervo foi em grande medida constituído durante as conquistas bélicas de Napoleão Bonaparte. 

Mas o filme de Sokurov foca o processo de transmissão da cultura, o qual, consoante a lição de Walter Benjamin, não está isento de barbárie: ótima escolha deste cineasta ao abordar o Louvre sob ocupação nazista, já que as guerras de conquista exacerbam e evidenciam a barbárie desse processo de transmissão cultural. 

Mas será que Sokurov conseguiu, com sua obra, escovar a história a contrapelo?

Bem, este antibolchevique declarado não é de forma alguma um materialista histórico, conquanto seu filme evoque claramente a tese do filósofo frankfurtiano. 

(por Luis Fernando Franco Martins Ferreira).     

   

   



  

     

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

WINTER SLEEP

Árdua é a tarefa do comentador do filme turco "Winter Sleep", do aclamado realizador Nuri Bilge Ceylan, galardoado com a Palma de Ouro em Cannes no ano de 2014, tamanha a complexidade e a beleza dessa obra de arte, o que nos faz arrostar o perigo iminente de resvalar em reducionismo ao procurarmos esquadrinhar a película. 

Nada obstante, sucumbamos à tentação de ensaiar alguns rabiscos sobre esse nosso objeto de admiração e exame. 

Aydin, homem de muitas posses, é a figura aparentemente mais poderosa do vilarejo onde mora e onde mantém um pequeno hotel, mas é também um ex-ator obstinado em escrever uma história do teatro turco.

É justamente esse poder, o material, que Ceylan coloca em questão: ele não parece valer muita coisa diante do sentimento de honra dos inquilinos de Aydin, nem tampouco diante do amor que este homem sente pela sua bela e bem mais jovem esposa Nihal.
      
No relacionamento do casal Aydin e Nihal, aliás, Ceylan encontra matéria bastante para debruçar-se sobre a dialética entre senhor e escravo, tão cara a Hegel. 

Mas isso é pouco diante da magnitude da obra, que vale muito a pena ser vista e apreciada com bastante vagar, de acordo com o ritmo lento e introspectivo da câmera de Ceylan. 

(por Luis Fernando Franco Martins Ferreira)