terça-feira, 23 de dezembro de 2014

DISNEY E WAGNER, ORLANDO E BAYREUTH.

As veleidades utópicas consistem basicamente em negar as lutas de classes sociais: negação prática pela revolução comunista, que implantará no futuro a ditadura do proletariado e a paulatina superação histórica da divisão da sociedade em classes, utopia esta característica dos assalariados pelo capital. O socialismo do tipo soviético malogrou nessa tentativa, pois não alcançou a revolução tecnológica do último quartel do século passado, de sorte que sua experiência poderia ser conceituada como utópica, nada obstante seu pretenso caráter científico. 

Mas há também utopias reacionárias, igualmente infensas às lutas de classes sociais. 

Os parques temáticos da Disney em Orlando, no estado americano da Florida, são um exemplo clássico de utopia pequeno-burguesa. Está bem, reconheço que já visitei pessoalmente tais parques e, pasmem, minha condição social concreta fez-me sentir bem lá, conquanto eu defenda teoricamente o socialismo científico.

Na utopia de Disney, concretizada nos seus parques temáticos em Orlando, todos são, ou podem alcançar, o estado social de pequeno-burguês, numa relação umbilical com a história dos pequenos proprietários que formaram os Estados Unidos da América. A democracia representativa burguesa, nesses parques, é ostensivamente enaltecida: trata-se da negação da luta de classes pela utopia da possibilidade de ascensão social para todos.

Já a utopia de Richard Wagner, concretizada no festival de Bayreuth, exibe caráter mais reacionário, pois seus liames guardam relação direta com a aristocracia Junker. Ora, não é possível que todos sejam grandes latifundiários, pois esse estado social pressupõe a exploração dos servos da gleba, logo a negação da luta de classes somente se estabelece pela força militar de um Estado integralmente dominado por Junkers. 

Não por acaso, a utopia totalitária nazista deve muito ao drama musical de Richard Wagner, conquanto esse compositor nada tenha que ver com o que fizeram posteriormente de sua obra, mas talvez a loucura de Hitler possa ser definida como uma utopia Junker, uma utopia mais radicalmente reacionária, muito ligada ao processo de modernização típico da história da Alemanha, o qual foi conduzido pela aristocracia rural.       

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)          


     

                          

   

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

NEBRASKA

Sugeri neste blog que o filme italiano “A grande beleza”, ao abordar a velhice, pretende-se filosófica e politicamente neutro, restando equidistante do marxismo e do catolicismo, duas forças sociais muito importantes na Itália.

O mesmo não acontece com o filme norte-americano “Nebraska”, do realizador Alexander Payne, também sobre a velhice, pois este é francamente anticapitalista.

Com efeito, o que vemos em “Nebraska” é uma película integralmente lapidada em preto e branco, o que parece realçar a abstração ínsita à forma dinheiro, esse dinheiro, supostamente auferido em um sorteio, tão almejado pelo idoso protagonista quanto inexistente e frustrador.

Nos Estados Unidos arruinado pela crise capitalista, os demais personagens do filme também só fazem cobiçar o escasso dinheiro, na vã tentativa de salvação individual, a despeito inclusive das relações de amizade e de família.

Mas o dinheiro não é a única coisa cobiçada: o automóvel exibe-se como a mercadoria por excelência, um símbolo de status social que parece encerrar o âmago, a saber, a essência de cada pessoa.

Enfim, “Nebraska” é um filme sobre a velhice como “A grande beleza” o é, mas quem ganhou o Oscar foi este último.

Algum palpite sobre os motivos disso?

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

MERCANTILISMO E LIBERALISMO.

Consoante já aventado neste blog, as corporações de ofício medievais controlavam a produção artesanal de sorte a coordenar a pequena produtividade do trabalho às necessidades locais. 

Com o advento da manufatura e da consectária subsunção meramente formal do trabalho no capital, a produtividade do trabalho aumenta e a coordenação entre oferta e procura expande-se para abranger o âmbito nacional, tarefa atribuída aos assim denominados Estados mercantilistas. Nesse caso, a produtividade aumenta ainda muito lentamente em razão desta coordenação entre oferta e procura, sendo certo que a cisão entre valor e preço das mercadorias tampouco se desenvolve plenamente. 

Já com a eclosão da maquinaria e da grande indústria, exsurge a subsunção real do trabalho no capital, a produtividade do trabalho aumenta incessantemente e já não é possível coordenar oferta e procura a nível nacional, sendo certo que o mercantilismo cede ao liberalismo econômico. Nesse caso, desinibe-se plenamente a cisão entre valor e preço das mercadorias, inclusive nos moldes por mim preconizados no artigo intitulado "Sobre valor e preço", publicado na revista marxista Mouro número 8, de dezembro de 2013.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)                  

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A APOLOGIA DO ESTUPRO E OS CORPOS CINZENTOS.

Definitivamente, o fascismo é um fenômeno social deveras complexo, mas algumas características podem ser destacadas. 

O filme de propaganda nazista intitulado "Os corpos cinzentos", por exemplo, apregoa, de forma subliminar, a harmonia social contra a luta de classes: a união das equipes branca e negra em uma só equipe cinzenta antolha-se-nos perfeitamente consentânea com a ideologia de negação da existência de classes sociais distintas, ou ao menos de harmonia entre as classes, sendo certo que a energia advinda dessa união classista deve ser canalizada na violência contra um inimigo comum também ideologicamente construído. 

Em uma ilação livre, penso que a apologia do estupro pode ser uma forma fascista de harmonia entre os seres humanos do sexo masculino, advindos de todas as classes sociais, contra o inimigo comum do sexo feminino, restando justificada a violência numa pretensa "socialização dos meios de reprodução sexual".

Observe-se que tal forma de misoginia fascista tem grande e irracional apelo entre humanos do sexo masculino de todas as classes sociais, o que cumpre de forma bastante adequada a função ideológica de negação das lutas de classes em nome da harmonização social sob o império irrestrito e totalitário do capital.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)          

       

sábado, 6 de dezembro de 2014

NÍVEIS DE ABSTRAÇÃO DO TRABALHO HUMANO.

Segundo Karl Marx, o trabalho humano abstrato é aquele que atribui valor à mercadoria.

É mister suscitar que a abstração do trabalho humano aprofunda-se em consonância com o desenvolvimento histórico da divisão do trabalho, de tal sorte que o trabalhador depende cada vez mais da sociedade para prover a si próprio, na medida em que fica cada vez mais distante de produzir para seu próprio sustento. 

Nesse diapasão, distinguem-se alguns níveis históricos de abstração do trabalho humano, a saber: 

1) Ausência de divisão do trabalho: o trabalhador produz todos os artigos necessários para o próprio sustento;

2) Divisão social do trabalho: o artesão produz uma mercadoria completa com meios de produção próprios;

3) Divisão do trabalho na fábrica: o trabalhador assalariado produz partes de uma mercadoria, mas esta é feita integralmente na respectiva planta fabril;

4) Globalização atual: o trabalhador assalariado produz parte de uma peça feita na respectiva planta fabril, a qual não produz a mercadoria na sua integralidade, mas apenas uma peça sua. 

Destarte, nesse caso a abstração do trabalho indica quão distante resta o trabalhador de prover a si mesmo com o produto do próprio trabalho, sendo paulatinamente mais dependente da sociedade, no caso, capitalista. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)                      

VALOR E PREÇO, OURO E PAPEL-MOEDA.

Dando prosseguimento à publicação anterior neste blog, faz-se mister aduzir que a desinibição já avançada da cisão entre valor e preço provoca a substituição paulatina do dinheiro como ouro pelo dinheiro como papel-moeda e, mais tarde, pelo dinheiro desprovido de qualquer suporte material.

Tal processo, histórico e teórico, exibe tão somente a faceta cada vez mais abstrata do trabalho humano sob a égide do capital. 

Imperioso ainda observar que tal processo revela também o aprofundamento histórico da divisão do trabalho: de início, a divisão social do trabalho; após, a divisão do trabalho na fábrica; finalmente, a divisão do trabalho em que as diversas peça de uma mercadoria são produzidas em países distintos, como na globalização atual.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)             

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

OS TRÊS ASPECTOS DA MERCADORIA.

OS TRÊS ASPECTOS DA MERCADORIA: VALOR-DE-USO, VALOR E PREÇO.

Enquanto a divisão social do trabalho não se desenvolve plenamente, a forma mercadoria permanece incipiente e o produto social ainda se exibe como uma coleção de valores-de-uso que satisfazem diretamente as necessidades humanas.

Com a desinibição da divisão social do trabalho, a forma mercadoria eclode e, com ela, a dissociação entre seu valor-de-uso e seu valor tout court.

Todavia, a forma mercadoria, por ela mesma, não engendra ainda sua dissociação entre valor e preço, porquanto ainda subsiste certa coordenação entre oferta e procura, como o fazem, verbi gratia, instituições como as corporações de ofício medievais, atuantes a nível local, e, mais tarde, os Estados mercantilistas, atuantes a nível nacional.

A dissociação entre valor e preço da mercadoria eclode e exsurge com sua forma capital, quando há uma separação já bem desenvolta entre força-de-trabalho e meios de produção e entre oferta e procura de mercadorias.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)