quarta-feira, 18 de novembro de 2015

FRANÇA E RÚSSIA CONTRA O ESTADO (ISLÂMICO OU NÃO).

França e Rússia uniram-se militarmente contra a facção terrorista autodenominada Estado Islâmico, que ostenta veleidades de instalar um califado em moldes medievais na área dominada pela religião muçulmana.

Fiquei interessado em notar que França e Rússia são dois países que protagonizaram duas das mais importantes revoluções políticas da história, a Francesa de 1789 e a Russa de 1917, ambas também direcionadas contra o Estado medieval: no primeiro caso a burguesia, no segundo a classe trabalhadora contra o Estado constituído pela nobreza como classe organizada em aparelho burocrático-militar.

No caso da Francesa, a burguesia fracassou em implantar sua ditadura e teve de ceder, ao proletariado, o sistema da democracia representativa; no caso da Russa, o proletariado acabou cedendo ao respectivo Partido uma ditadura deste sobre ele, proletariado. 

Isso porque a divisão histórica do mundo moderno entre trabalho, capital e Estado obsta que uma classe inteira confunda-se com este último, como ocorria nos antigos modos de produção dominados pela classe detentora da propriedade fundiária: com o advento do capital, o aparelho burocrático-militar estatal auferiu autonomia e somente pode ser abolido com uma revolução em que o trabalho, a saber, a classe trabalhadora tome de assalto os meios de produção e mantenha sob controle estrito o seu próprio partido político convertido em Estado (vide a publicação anterior deste blog, intitulada "O manifesto comunista e o Estado").

por Luis Fernando Franco Martins Ferreira.                    

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O MANIFESTO COMUNISTA E O ESTADO.

De proêmio, peço licença para remeter meus caros leitores ao texto de minha autoria intitulado "O legado londrino", onde exponho esquematicamente o processo histórico de que resultou a tripartição social em trabalho, capital e Estado. 

Forçoso aventar também que o partido da classe trabalhadora não se confunde com esta, assim como os partidos burgueses não são idênticos à classe proprietária dos meios de produção: os partidos políticos são na verdade agremiações que funcionam como proto-Estados, os quais mimetizam em seu âmago o aparelho burocrático-militar estatal, cuja função precípua consiste em manter a propriedade privada dos meios de produção. 

Logo, estou convencido de que há um equívoco nas proposições práticas sugeridas no Manifesto Comunista de Marx e Engels, se me permitem esta ousadia extrema. 

Com efeito, a centralização dos meios de produção nas mãos do Estado controlado pelo partido da classe trabalhadora parece-me um despropósito, pois não concede os meios de produção à classe trabalhadora, mas sim ao seu partido agora convertido em Estado, o que conduz inevitavelmente à dominação do partido-Estado sobre tal classe trabalhadora, com preservar, e não suprimir, as lutas de classes: esse Estado-partido, agora proprietário dos meios de produção, pereniza-se, ao invés de ser paulatinamente suprimido, pois a divisão da sociedade em classes sociais proprietária e trabalhadora também permanece em vigor. 

A medida prática a ser tomada em uma eventual tomada do Estado pelo partido da classe trabalhadora consiste, em verdade, em conceder a propriedade dos meios de produção a esta classe como um todo, autogestionária, remanescendo a distinção entre ela e seu partido-Estado, sempre despojado de propriedade, o qual deverá submeter-se à classe trabalhadora e ter suas funções políticas, burocrático-militares, paulatinamente substituídas pelas funções de planejamento econômico. 

A Revolução Russa, prestes a  completar cem anos, ocorreu em um país socialmente atrasado em que não se observava plenamente desenvolvida a divisão entre classe dominante (nobreza) e Estado, de tal sorte que a centralização estatal dos meios de produção, nos moldes preconizados pelo Manifesto Comunista, produziu uma ditadura do Estado-partido sobre a incipiente classe trabalhadora, invertendo a condição em que a classe trabalhadora, proprietária dos meios de produção, controla o Estado-partido. 

(por Luis Fernando Franco Martins Ferreira)            

           
     

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A HISTÓRIA É ARTE OU CIÊNCIA?

O título desta singela intervenção encerra, no meu humilde modo de entender, uma falsa dicotomia. 

Com efeito, o modo como se escreve a História é que determina seu caráter científico ou artístico. Pode-se escrever a História: 1) para o deleite estético, como literatura; ou 2) como contributo para a inteligibilidade do tempo e do devir, ou seja, para enriquecer o conhecimento do presente por meio do passado.

Observe-se que este discernimento não é estanque nem envolve juízo de valor: há bons historiadores que conseguem produzir deleite estético com efetiva contribuição ao conhecimento e à ciência, sendo certo, aliás, que o prazer não está definitivamente dissociado da inteligibilidade, ao contrário, o conhecimento também provoca bem-estar. 

A distinção entre arte e ciência participa, em verdade, daquela vetusta dissociação filosófica entre o mundo empírico, ou dos sentidos, e o mundo da razão, ou do intelecto: o ser humano, no entanto, é dotado tanto de razão como de experiência empírica, parecendo muito difícil estabelecer o limite entre ambos. 

O certo, todavia, é que há momentos em que preferimos viajar no tempo para tentar viver e experimentar sensações como os nossos antepassados, e nesse caso escolheremos uma historiografia mais próxima da literatura; outros em que desejamos desfrutar do prazer típico da descoberta científica, o que a historiografia também pode proporcionar: em ambos os casos a História parece ser uma disciplina fascinante e prazerosa.        

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

MARX E OS MARGINALISTAS.

Para Marx, o valor-de-uso é algo estático, um dado inerente à mercadoria, enquanto o valor tout court é dinâmico, mutável com a renovação tecnológica, um resultado do processo de produção de capital.  

Para os marginalistas, o valor-de-uso é dinâmico, determinado em função da utilidade marginal decrescente, um resultado do processo de circulação de capital, e está relacionado ao preço da mercadoria.       

segunda-feira, 22 de junho de 2015

IDOLATRIA ALEMÃ, OU ÁPICES DOS OITOCENTOS.

Permitam-me, ainda uma vez, um brevíssimo e ligeiro exercício de introspecção egoísta e desprovido de pretensões atinentes à objetividade.

Ainda muito jovem, no século passado e muito antes de entrar na faculdade, tive o privilégio de travar contato com algumas obras humanas que modelaram indelevelmente meu caráter e meu pensamento, quais sejam:

1) “A ideologia alemã” e “O Capital”, de Karl Marx;

2) “Tristão e Isolda”, de Richard Wagner;

3) “Segundo concerto para piano e orquestra”, de Johannes Brahms.

É evidente que elas encerram muito em comum, produzidas que foram por expoentes da intelectualidade alemã do século XIX, um período que não poucos qualificariam de “romântico”, mas persisto em indagar: que traço mais concretamente perceptível as unifica, a ponto de sensibilizar perenemente um cidadão da classe média brasileira do último quartel do século XX, mas de forma tão incisiva que tal cidadão atribui a maior parte de sua compleição moral vigente a essas obras?

Resposta: não sei, talvez a própria pergunta seja impertinente, mas o certo é que o ápice do século XIX alemão se fez notavelmente presente e hodierno nesta figura que agora, mui humildemente, lhes dirige a palavra.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

APORÉTICA MARXISTA.

Há uma aporia bem evidente na teoria marxista do valor, constante do livro primeiro de "O capital", que poderia ameaçar a consistência da mais-valia, sendo certo que já expus tal paradoxo em pequeno artigo publicado na revista "Mouro" número 8, de dezembro de 2013.

É o seguinte.

A mais-valia absoluta pressupõe a compra e venda de uma mercadoria singular, a força de trabalho.

Ocorre que a força de trabalho é um dado da natureza, e não o produto do trabalho humano, logo não encerra valor e, portanto, não pode figurar como mercadoria a ser vendida e comprada. 

A solução de tal aporia está, se bem compreendi, na própria obra de Karl Marx, sendo certo que parte dela eu também já expus no artigo acima referido.

Mais detalhes sobre tal aporética estão por vir, mas aguardo de bom grado eventuais críticas, comentários e sugestões.                        

domingo, 7 de junho de 2015

DUAS NOTAS SOBRE COMUNISMO.

Tomo a liberdade, com todo o devido respeito, de alinhavar duas singelas notas sobre o instigante e esmeradamente documentado artigo intitulado "Teoria do valor tupinambá: o lugar da natureza nas ideias econômicas", de autoria de Jorge Caldeira e publicado no jornal "Folha de São Paulo" aos 31 de maio do ano corrente:

1) Nas sociedades indígenas do Brasil pré-colonial, inclusa a tupinambá, predominava o modo de produção comunista primitivo, em que a terra, meio de produção natural (a saber, que não é fruto do trabalho humano) e característico de tais sociedades, figurava como propriedade coletiva da tribo, inexistindo propriedade privada dos meios de produção, de tal sorte que a consideração com as gerações vindouras da tribo consistia em elemento inerente à manutenção e preservação de tal propriedade coletiva tribal. 

2) O comunismo avançado, consoante concebido por Karl Marx em textos como "A ideologia alemã" e "O manifesto comunista", consiste em modo de produção que superará o capitalismo e cuja característica mais evidente é a propriedade coletiva mundial (ou seja, de toda a humanidade) dos meios de produção, sejam eles naturais ou já fruto do trabalho humano, de tal sorte que a consideração com as gerações vindouras de toda a humanidade será um elemento inerente dessa sociedade, do que se dessume que a preservação da natureza figurará decerto como imperativo do planejamento econômico de jaez mundial.                     
    

sábado, 6 de junho de 2015

FRANZ KAFKA, OU AS RAZÕES DO ABSURDO.

Titã inconteste da literatura universal, Franz Kafka descreve com linguagem burocrática, em novelas como “A metamorfose” e “O processo”, situações aparentemente absurdas que muito inspiraram outros gigantes da escrita, como o Eugène Ionesco de “O rinoceronte” e o Samuel Beckett de “Esperando Godot”.

A narrativa de Kafka, conquanto de precisão milimetricamente racional, insere seu leitor nas entranhas de um pesadelo, e nisso está sua proximidade com o Sigmund Freud de “A interpretação dos sonhos”, obra que disseca com instrumentos cirúrgicos a estrutura inteligível do pensamento que irrompe durante o sono.

Eis a questão de Kafka: elucidar racionalmente o absurdo, desvendar-lhe as razões. Pois o que aparenta ser uma quimera para o indivíduo pode talvez ser inteligível e lógico sob ponto de vista mais amplo, seja social ou histórico.

E aqui, evidentemente, entra a lógica dialética, tão cara a autores como Hegel e Marx, investigadores da inteligibilidade do tempo histórico, o qual sobrepuja, por óbvio, o indivíduo, sendo certo que lhes é cara a elucidação da racionalidade das contradições, os motores da história, no que suplantaram, sem aniquilar, a lógica aristotélica.

Talvez, portanto, todos os autores aqui aduzidos sejam tributários da lógica dialética (ou paraconsistente, como queiram), a única capaz de iluminar o absurdo aparente, as contradições do real, e nisso pode-se aventar que são todos iluministas, por mais estarrecedoras que possam soar suas obras.

domingo, 31 de maio de 2015

PORQUÊ OS COMUNISTAS NÃO FORMAM UM PARTIDO À PARTE, OU SINGELO ELEMENTO DE TEORIA POLÍTICA MARXISTA.

Desde o advento da burguesia industrial, o Estado destaca-se da sociedade civil, como ensina Gramsci, sendo certo que os partidos políticos burgueses atuam somente na instância do aparelho burocrático-militar, deixando intactas as relações de produção, especialmente a propriedade privada dos meios de produção no seio da sociedade civil.

O partido da classe trabalhadora, ao contrário, atua nas duas instâncias, sociedade civil e Estado, devendo abrigar em seu âmago os burocratas (que atuam no aparelho burocrático-militar) e os comunistas (que atuam na sociedade civil). Os primeiros devem garantir as condições militares e de força para que os segundos, comunistas, preparem a transformação social que dará acesso da classe trabalhadora aos meios de produção. 

Por isso é que, quando o partido da classe trabalhadora alcança democraticamente o poder estatal, ele deve cindir-se, sem perder a unidade, em governo (burocratas) e comunistas (partido), sendo que estes devem preparar a greve geral (Rosa Luxemburgo), que contará com o apoio dos primeiros, a saber, do aparelho burocrático-militar, que apoiará a greve geral. 

domingo, 10 de maio de 2015

Larghetto, segundo movimento do segundo concerto para piano e orquestra de Frederic Chopin.

Jamais conceberás o caminho mais óbvio e repetitivo, que conduz diretamente ao destino, pois fragmentado e incompleto é este mapa, inevitável perder-se, mas aí, onde não te achas, está tua força, tua beleza.     

sexta-feira, 10 de abril de 2015

NOVA LEI CONJECTURAL DERIVADA DAS PROPOSIÇÕES PRECEDENTES.

Das proposições suscitadas nas três publicações precedentes deste blog, dessume-se, aparentemente, que quanto maior a velocidade de circulação do capital, maior a taxa de lucro calculada para cada rotação inteira do capital circulante inicialmente investido, porquanto menor o valor que o capital fixo de duração constante transfere às mercadorias assim produzidas. 

Lei conjectural a demonstrar. 

por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA.          

CONJECTURA GEOMÉTRICA SOBRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAL.

A taxa de lucro do capital deve ser mensurada para cada rotação completa respectiva, pois as diferentes partes componentes do capital rotam com velocidades diferentes.

Destarte, numa conjectura geométrica, teríamos pelo menos três círculos concêntricos, de raios distintos, girando (circulando) com velocidades distintas, de tal sorte que:

1) O primeiro círculo, representando o capital circulante, gira com a maior velocidade;

2) O segundo círculo, representando o capital fixo de duração variável, gira com velocidade média;

3) O terceiro círculo, representando o capital fixo de duração constante, gira com a menor velocidade.

Por óbvio, tal conjectura geométrica deve ser matematicamente demonstrada e posta à prova.

por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA. 

       

terça-feira, 7 de abril de 2015

ASPECTOS DA SEGUNDA LEI CONJECTURAL SOBRE CAPITAL FIXO.

No que pertine à publicação precedente deste blog, concernente à segunda lei conjectural sobre capital fixo, esclareço que designo:

1) Capital fixo de duração variável;

2) Capital fixo de duração constante.

No caso de 1, a duração do capital fixo está relacionada com seu uso mais ou menos intenso, sendo certo que, quanto mais intenso o uso respectivo, menor sua duração, sendo certo também que tal capital está diretamente vinculado ao processo de produção de mercadorias, de tal sorte que, quanto mais intenso o seu uso, maior o número de mercadorias. Exemplo: máquinas, robôs, motores, etc.

No caso de 2, a duração do capital fixo não está relacionada ao seu uso mais ou menos intenso, exibindo-se constante, sendo certo também que tal capital não está diretamente associado ao processo de produção de mercadorias. Exemplo: prédios, iluminação, ar condicionado, etc.

No caso do capital fixo 2, quanto maior é a velocidade de rotação das demais partes componentes do capital, menor é o valor que tal capital transfere às mercadorias, pois sua duração é constante.

No caso do capital fixo 1, quanto maior é a velocidade de rotação do capital total (excluindo-se o capital 2), tanto maior é também o valor que ele transfere às mercadorias.

Tudo isto está a carecer de comprovação matemática e empírica.

POR LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

SEGUNDA LEI CONJECTURAL SOBRE CAPITAL FIXO.

Há que se distinguir, no âmbito do capital fixo: 1) o capital fixo que transfere seu valor às respectivas mercadorias de acordo com o desgaste provocado pelo uso, como é o caso das máquinas; 2) o capital fixo que transfere seu valor às respectivas mercadorias de acordo com a mera passagem do tempo, como é o caso dos prédios, instalações, etc.

No caso de 1, para efeito de variação da taxa de lucro, é indiferente o número de rotações do capital circulante em determinado lapso temporal, a saber, a velocidade de circulação do capital.

No caso de 2, ao contrário, quanto maior o número de rotações do capital circulante em determinado lapso temporal, a saber, quanto maior a velocidade de circulação do capital, maior a taxa de lucro.

Mister observar que o capital fixo 1 pode sofrer desgaste natural pela passagem do tempo sem ser utilizado, o que também afeta negativamente a taxa de lucro.

Tal conjectura está sujeita a comprovação empírica e teórico-matemática.

(POR LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)

domingo, 29 de março de 2015

LÁGRIMAS DE MARÇO ENCERRANDO A CANÇÃO.

CINZAS DE MARÇO

Herberto 
Hélder
Tomas 
Tranströmer
Mestres
Menestréis
Mortos no
Macabro
Mórbido
Malsinado
Mês de 
Março.

   

sexta-feira, 27 de março de 2015

O SAL DA TERRA

O SAL DA TERRA: UMA QUESTÃO COMPLEXA

O belíssimo filme “O sal da terra”, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, expõe com maestria a transbordante sensibilidade de Sebastião Salgado, um artista que se ocupa verdadeiramente dos indivíduos humanos e é habitualmente relacionado com a esquerda política.

Essa obra exibe a peculiar trajetória do artista, a qual inicialmente focava a vida dos trabalhadores e o sofrimento das populações desterradas, para finalmente debruçar-se sobre a natureza no livro “Gênesis”.

Parece, pelo depoimento do próprio Sebastião Salgado, que o artista deixou de retratar indivíduos, deslocando seu foco para a natureza, após deparar-se com a maldade humana mais crua no genocídio de Ruanda.

Aqui caberia, no meu humilde entendimento, a pergunta: teria Sebastião Salgado, sendo de esquerda, alguma forma de ligação com o marxismo? Essa questão antolha-se-nos deveras complexa, pelo seguinte:

Karl Marx, a certa altura da exposição em “O capital”, afirma que, conquanto os capitalistas fossem meros representantes de relações de produção, não os desculparia pelas atrocidades cometidas contra os trabalhadores. Isso ensejou ou influenciou, na França por exemplo, interpretações filosóficas antípodas.

Com efeito, o estruturalista Louis Althusser compreendia o marxismo como uma forma de anti-humanismo teórico, o que justificava, de certa forma, a violência revolucionária anticapitalista e, por óbvio, a aniquilação física de indivíduos. O problema com tal concepção está em explicar como os indivíduos, meros vetores de determinações estruturais do capital, podem ser culpados por seus atos e punidos por isso.

Já o existencialista Jean-Paul Sartre entendia o marxismo como um humanismo, atribuindo uma grande importância aos indivíduos, mas descurava das relações de produção contraídas involuntariamente entre os mesmos, às vezes até contra e apesar deles.

Fosse, então, Sebastião Salgado um marxista, seria sartreano ou althusseriano? Parece que, ao deixar de lado os indivíduos para retratar a natureza, depois de conhecer de perto a maldade humana na África, esse artista aproximou-se dos ecologistas, mas permanece sendo um cidadão de esquerda que deseja contribuir para, de alguma forma, salvar a humanidade de si própria, ou seja, da autodestruição.

sábado, 21 de março de 2015

LEVIATÃ

No recente e internacionalmente aclamado filme russo intitulado “Leviatã”, vemos uma família de trabalhadores manuais, moradora de um gélido vilarejo nos confins do Mar de Barents, ser impiedosamente aniquilada por um prefeito corrupto, um verdadeiro gângster, só porque o chefe da família ousou insurgir-se contra uma injustiça contra ele cometida por tal prefeito, especificamente em uma questão de preço aviltante de indenização por desapropriação.

Sobre o prefeito (ou deveríamos dizer, “sobre o gângster”?), somente sabemos que se trata de um pai de família e devotado cristão ortodoxo, e aí é que começam as controvérsias deflagradas pelo filme: a corrupção é um fenômeno endógeno ou exógeno ao Estado, quer dizer, o prefeito já era gângster antes de se eleger, ou tornou-se malfeitor depois, por ser prefeito? O filme não responde a essas questões, mas suscita-as, então vemo-nos na oportunidade de comentar a propósito, o que nos parece frutífero e útil em conjuntura de combate à corrupção e reforma política aqui no Brasil.

Ora, no meu texto intitulado “O legado londrino”, publicado neste blog, procurei investigar historicamente como as sociedades dividem-se em três instâncias, a saber, trabalho, capital e Estado, o que pressupõe que esta última, conquanto identificada com o aparelho burocrático-militar, consiste em relação de produção, portanto relação social e histórica entre os indivíduos. Mas o Estado também exibe a característica de ser anterior ao advento do capitalismo, ele é na verdade uma herança ainda dos tempos da Antiguidade, quando predominava a propriedade fundiária e não o capital, e portanto exibe longevidade, maleabilidade e flexibilidade históricas dignas de nota, tendo sobrevivido a muitas reformas e revoluções.

Logo, o Estado, seja ele dominado por latifundiários, capitalistas ou trabalhadores, exibe uma grande resiliência a ser considerada, e por isso uma reforma política tímida e mal conduzida pode resultar em água, quando não piorar as coisas.

Tudo parece indicar que a corrupção sempre existiu, com maior ou menor intensidade, no âmbito estatal, e o melhor caminho talvez seja tornar o Estado mais permeável ao controle e vigilância da população em geral, seja pela democracia direta, seja pela maior transparência, seja pelo financiamento público das campanhas políticas ou outra medida qualquer com esse escopo de revigorar a democracia.

Mas o certo é que tais medidas, para extirpar ou mesmo somente mitigar a corrupção, deverão contrariar interesses poderosíssimos, logo devem ser implantadas com apoio de grande e suprapartidário pacto social, sem o qual a corrupção remanescerá aniquilando, sem misericórdia, indivíduos e famílias desavisados.

sexta-feira, 20 de março de 2015

DAVID CRONENBERG E A DOBRA DO CAPITAL.

Não é por acaso que o mais recente filme de David Cronenberg, intitulado "Mapas para as estrelas", ambienta-se na Califórnia: esse Estado norte-americano não é apenas o epicentro da indústria cinematográfica, mas representa, com seu Vale do Silício, a locomotiva hodierna do capitalismo mundial.

Essa obra de Cronenberg trata sobretudo da dobra que a família faz sobre si mesma no incesto, o que a conduz à autodestruição. Mas cuida também do "mundinho" de Hollywood, cujos protagonistas vivem em um círculo auto-referente que gira em torno de si mesmo de forma incessante, triturando tais protagonistas impiedosamente: mais uma vez, uma maneira de dobrar-se sobre si mesmo e autodestruir-se. 

Mas o capitalismo mundial, impulsionado pela Califórnia, também faz suas dobras, as quais poderão conduzir, em futuro incerto, à sua autodestruição, como vaticinou Karl Marx. Eu mesmo, aqui neste blog (vide "Conjecturas sobre capital, obsolescência e universalidade"), tentei alertar para isso: a necessidade de arrostar a queda tendencial da taxa de lucro determina que o capital seja obrigado a criar continuamente novos valores-de-uso, novas necessidades humanas, cuja característica consiste em aumentar a velocidade de circulação do próprio capital, de tal sorte que a reprodução do capitalismo fica cada vez mais difícil.

O mestre David Cronenberg, mais uma vez, exibe sua fértil genialidade.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)           

       

sábado, 7 de março de 2015

A DOBRA

A DOBRA

Jean Piaget, em sua epistemologia genética, descreveu o desenvolvimento cognitivo do indivíduo como processo de descentração: indistinção entre sujeito e objeto do conhecimento na fase do pensamento pré-operatório; distinção entre realidade interna e externa ao indivíduo, com decorrente diferenciação entre sujeito e objeto do conhecimento, na fase do pensamento operatório concreto; finalmente, o que denomino “dobra”, a saber, o indivíduo que já pode colocar a si próprio como objeto do conhecimento, na fase do pensamento operatório formal.

Arriscaria que tal evolver, tal descentração acontece também na história do conhecimento ou da ciência da humanidade em geral, de sorte que, nesse caso, por assim dizer, a ontogênese recapitula mais uma vez a filogênese.

Tomemos como exemplo o pensamento de Hegel: ele foi um dos pioneiros a atribuir inteligibilidade à história social, ou das sociedades, com sua dialética idealista. Todavia, esse idealismo absoluto adstringe a inteligibilidade à história do ser humano, porquanto somente o homem exibiria o atributo da razão de que o real é fruto, de tal sorte que resta impossível a inteligibilidade da história natural ou do universo, anteriores ao advento do homo sapiens.

O materialismo de Darwin e Marx já representa uma evolução ou salto de qualidade em relação ao idealismo absoluto de Hegel, pois permite apreender a inteligibilidade da história anterior ao advento da humanidade, vez que o ser humano deixa de estar no centro do universo: eis o nítido processo de descentração, observável também, verbi gratia, na história da suplantação das teorias geocêntrica e heliocêntrica, ou na superação da gravidade de Newton pela relatividade de Einstein.

Em todos esses casos, a humanidade foi capaz de se deslocar do centro do universo e colocar-se como o próprio objeto do conhecimento, realizando uma dobra sobre si mesma.

(Por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

LEI CONJECTURAL SOBRE CAPITAL FIXO.

Para que haja efetiva diminuição do valor individual da mercadoria mediante aumento da produtividade decorrente de investimento em capital fixo, o incremento da força produtiva do trabalho deve ser tal que compense o acréscimo de valor paulatinamente transferido aos produtos pela circulação de tal capital fixo. 

Tal lei consiste em conjectura sujeita a confirmação empírica e teórico-matemática.

(por Luis Fernando Franco Martins Ferreira)      

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MAIS-VALIA.

CONJECTURAS SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MAIS-VALIA

Faz-se mister e urgente corrigir alguns equívocos constantes do meu artigo intitulado “Sobre valor e preço” (Revista Mouro n. 8, dezembro de 2013), notadamente no que pertine à postulação de inexistência da mais-valia absoluta: nesse diapasão, impõe-se aduzir que a mais-valia absoluta existiu historicamente como forma dominante no período da manufatura e do mercantilismo, sendo superada pela forma da mais-valia relativa após o advento da maquinaria e grande indústria e seu respectivo liberalismo econômico, inaugurados pela Revolução industrial do século XVIII. Após tal revolução, a mais-valia absoluta passou a existir apenas como forma residual e complementar ou subsidiária da mais-valia relativa.

Senão, vejamos.

Com efeito, o período da manufatura e do Estado mercantilista marca o incipiente desenvolvimento da forma mercadoria e, por conseguinte, da forma capital, conquanto já se observe bastante evoluído o trabalho assalariado, como consectário da separação histórica entre trabalho e meios de produção.

A manufatura exibe o período de subsunção meramente formal do trabalho no capital, quando a restrita base técnica exige a extorsão da mais-valia mediante o aumento forçado da jornada de trabalho, ou seja, um verdadeiro “roubo” de parte da jornada de trabalho do assalariado, roubo esse que, por si só, representa o incipiente desenvolvimento da forma mercadoria: cuida-se da mais-valia absoluta.

Simetricamente, a acumulação de metais preciosos pelo Estado mercantilista opera-se por meio de medidas protecionistas infensas ao pleno desenvolvimento da forma mercadoria, pelo “roubo” sistemático inerente ao antigo colonialismo e pelos estratagemas característicos desse tipo de política econômica, que engendra um estado de permanente guerra comercial e militar entre os países centrais em nome da consecução de vantagens no também incipiente comércio internacional.

Como existe um limite natural e fisiológico da expansão da jornada do trabalho assalariado, eclode em determinado momento histórico a subsunção real do trabalho no capital pelo advento da maquinaria e grande indústria típicos da primeira revolução industrial, no século XVIII, quando então exsurge a mais-valia relativa como descrita no meu texto supracitado, que foi inspirado, por seu turno, no capítulo X do livro primeiro de “O Capital” de Marx.

Aqui já estamos em período de pleno desenvolvimento das formas mercadoria e capital, restando a mais-valia absoluta como forma meramente residual e subsidiária da mais-valia relativa. Simetricamente, o Estado liberal soterra o mercantilismo em nome do livre comércio, condição necessária a esse novo patamar de desenvolvimento histórico da forma mercadoria e da forma capital.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)

sábado, 3 de janeiro de 2015

TRANSVALORAÇÃO HIPOSTASIADA.

Se Nietzsche propunha ostensivamente a aniquilação da metafísica platônico-cristã a marteladas, mediante o que designou "transvaloração de todos os valores", não é menos verdadeiro que Marx exortava os proletários de todo o mundo a, por assim dizer, usarem seus martelos contra a "valorização de valor" ínsita ao capital.

Bem, tais autores adotavam conceitos diversos de "valor", mas permitir-me-ei aqui fazer uma pequena digressão diletante sobre aquilo que há de comum entre os mesmos.         

Ora, parece-nos lícito aventar que o projeto marxista pode ser considerado uma certa hipostasia da transvaloração nietzscheana, na exata medida em que pretende liquidar com a alienação inerente ao trabalho humano abstrato e heterônomo, que colima tão somente a produção de mais-valia (ou valor excedente) para o capital. Mas isso de forma prática e concreta, mediante uma revolução social, ao passo que a superação dos valores metafísico-cristãos, segundo Nietzsche, opera-se no plano meramente teórico ou moral, ou no máximo comportamental. 

Todavia, há muito em comum entre a metafísica de Nietzsche e a alienação de Marx, pois ambas obstam que os homens tomem as rédeas da própria história em suas mãos, manietados que estão pelos céus, no primeiro caso, ou pelo capital, no outro. 

Ventilaríamos ainda que talvez, numa leitura livre, a transvaloração de Nietzsche exiba-se historicamente factível somente com a superação do capital, quando as "manhas teológicas" da mercadoria, consubstanciadas em sua dicotomia entre valor-de-uso e valor, serão suplantadas e os homens concretos assumirão o poder de dizer autonomamente quanto vale cada coisa e para onde querem ir, em uma tomada de assalto de sua própria história humana, demasiado humana. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA).