terça-feira, 13 de outubro de 2020

EXÓRDIO DO PRIMEIRO TOMO DO TRATADO DOS VENCIDOS (OBRA EM ANDAMENTO)

 

TRATADO DOS VENCIDOS



TOMO 1: ROMA


  1. EXÓRDIO.


Titã inconteste do pensamento ocidental, Karl Marx certa feita sentenciou, a propósito da história humana, que a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco, proposição na qual divisamos, humildemente, um certo equívoco, dês que versa sobre espécies biológicas distintas, de tal sorte que se nos antolha, com a devida permissão da ousadia extrema, discretamente aporético tratar da história do homo sapiens mediante uma analogia pertinente à evolução das espécies, se é que me fiz entender.


Ora, conquanto separados pelo tempo histórico, pelas classes sociais e pelos distintos modos de produção, parece-me que os seres humanos ainda conservam as características que os subsumem na aludida espécie do homo sapiens, o que me conduz a um registro cujo teor, tal qual permaneceu retido em minha memória, consiste na descoberta, em sítio arqueológico romano, de uma placa de mais de dois mil anos de existência em que se insculpia a admoestação para que eventual visitante tomasse o devido cuidado com o cão bravio da respectiva residência!


Demais disso, quer me parecer que quanto mais enfatiza o tempo histórico, com sua sequência de modos de produção e classes sociais, tanto mais abstrato e racionalista exibe-se o discurso, ao passo que, ao contrário, quanto mais tal discurso destaca os indivíduos em sua materialidade prática e empiricamente evidente, mais concreto ele se nos afigura, condição esta que encerra como corolário a imperiosidade de se haurir, das investigações históricas, certo caminho mediano para uma maior aproximação da realidade, se é que isto possa de fato existir.


É cediço que o autor acima mencionado, o conspícuo Mouro de Trier, também esgrimia, a meu sentir de forma absolutamente certeira, que na distinção entre os sexos masculino e feminino já se inscreve o jaez gregário do homo sapiens, com resultar complexo in extremis estimar com aceitável precisão onde reside o marco limítrofe entre indivíduo e sociedade no exame historiográfico.           


Cabe obtemperar, todavia, que os indivíduos até podem ser considerados, por uma moderna e festejada doutrina francesa, como meros vetores de determinações das estruturas sociais, portanto desprovidos, digamos assim, de vísceras, mas aquilo que efetivamente soterra tais estruturas e as substitui por outras consiste em algo que o ser humano experimenta no mais recôndito âmago de suas entranhas cruentas: a fome!


Por isso, nosso tratado sobre os vencidos da História inaugura-se com a descrição mui concreta do apetite que certa tarde acometeu esmagadoramente o tribuno da plebe romano Tibério Semprônio Graco.


(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador) 


quarta-feira, 13 de maio de 2020

TENTATIVA DE ILUSTRAÇÃO DA PUBLICAÇÃO PRECEDENTE

Em razão de certa polêmica suscitada pela publicação precedente, farei uma tentativa de ilustração para o caso específico do décimo capítulo do livro primeiro de O Capital de Karl Marx. 

Nesse diapasão, digamos que o valor vigente para determinada mercadoria seja de dez libras e que um capitalista inovador pioneiro consiga, mediante introdução de nova técnica de produção, reduzir o tempo de trabalho necessário para produzir tal mercadoria, de sorte que seu "valor" seja reduzido, para esse capitalista específico, para uma libra: esse capitalista venderia então sua mercadoria por, digamos, três libras e assim, além de derrotar a concorrência, auferiria uma vantagem de duas libras em relação ao "valor" de uma libra com que consegue produzir tal mercadoria. 

Isto está em parte incorreto, porquanto, no momento em que o capitalista pioneiro consegue produzir sua mercadoria pelo tempo de trabalho correspondente a uma libra, o valor vigente de tal mercadoria reduz-se, pois esse "valor" de uma libra do capitalista pioneiro passa a integrar a média social, empurrando-a para baixo, de tal maneira que a vantagem de tal pioneiro também é empurrada para baixo.

Não sei se fui exitoso em esclarecer tal ponto de controvérsia, mas era o que tinha a dizer.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador) 

sexta-feira, 8 de maio de 2020

ESBOÇO DE PROJETO DE ESTUDO SOBRE LÓGICA DIALÉTICA EM MARX E DARWIN


ESBOÇO DE PROJETO DE ESTUDO SOBRE LÓGICA DIALÉTICA EM MARX E DARWIN



Georg W. F. Hegel ensinou-nos, em sua Ciência da Lógica, a pensar dialeticamente e, assim, prescindir do elemento divino nos estudos de jaez científico, a saber, ensinou-nos a afastar o elemento imponderável nos estudos científicos; demais disso, descortinou a lógica do tempo histórico, isto é, do movimento diacrônico, tão caro a autores do século XIX do porte de Karl Marx e seu admirado Charles Darwin.

Tais autores, no entanto, sucumbiram algures e em certa medida à lógica formal aristotélica, que introduz, invariavelmente, aquilo que denomino elemento imponderável ou divino nos estudos científicos: no caso de Marx, tal elemento aparece como “mercado” ou “concorrência”, malgrado todo o seu esforço no sentido de criticar a economia política de seu tempo, em que tal elemento exsurge preponderante; no caso de Darwin, conquanto crítico superlativo do criacionismo, o elemento divino introduz-se sorrateiramente na forma da “natureza” ou “meio ambiente”, como procuraremos expor a seguir.

Marx, no capítulo décimo do primeiro livro de sua obra magna, O Capital, que versa especificamente sobre a mais-valia relativa, resvala na ideologia do mercado e consectários, como a concorrência, ao tentar, de forma a meu sentir infrutífera, discorrer sobre como o capitalista pioneiro em seu ramo industrial, empregando inovação do processo fabril que aumenta a força produtiva do trabalho, pode vender sua mercadoria por um valor menor do que o vigente para tal mercadoria, porém maior que o tempo de trabalho necessário para produzir a sua mercadoria, derrotando então a “concorrência” e auferindo lucros exorbitantes. Sucede, no entanto, que a própria acepção marxista de valor, exposta logo no primeiro capítulo de sua magnum opus, representa uma média social: ora, como pode então o capitalista pioneiro vender sua mercadoria por um valor menor que o valor vigente para tal mercadoria, se tal valor é, conceitualmente, uma média social que, portanto, abroquela também o tempo de trabalho que tal pioneiro dispende para produzir tal espécie de mercadoria? Não faz sentido, o que nos oferece um exemplo patente de como Marx resvalou na lógica formal, e mesmo em uma aporia formal, ao incorporar de forma acrítica o elemento imponderável da concorrência, típico da economia política que ele tanto se empenhou em desmistificar.

De maneira um tanto mais genérica e difusa, o mesmo ocorre com Charles Darwin em sua “A origem das espécies”, que incorpora também acriticamente o elemento imponderável da luta pela existência (uma certa “concorrência” biológica”) como fator da seleção natural: ora, a dicotomia indivíduo versus meio ambiente, encontradiça difusamente em tal obra, não se sustenta, porquanto os indivíduos “são”, a saber, coincidem com o meio ambiente, descabendo cogitar em maior ou menor aptidão ao mesmo. Um exemplo muito rústico poderia esclarecer esse ponto: os ratos de coloração mais escura adaptaram-se melhor à perseguição das raposas porquanto são presas menos fáceis em relação ao campo de visão desses seus predadores. Ora, por que motivo as raposas não desenvolveram uma melhor visão para capturar os ratos mais escuros? O elemento imponderável da seleção natural também reside na aleatoriedade das mutações genéticas, bem como no assim denominado “dogma central da biologia molecular”, estabelecido em 1958 por Francis Crick: tal “dogma”, como qualquer outro elemento de jaez religioso, começa a ser questionado pela ciência, com as recentes descobertas de casos em que características adquiridas são hereditariamente transmitidas, vide a respeito o interessante artigo de Kevin Laland publicado no jornal Folha de São Paulo de 11/03/2018.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)