segunda-feira, 26 de março de 2018

MARIA MADALENA: UM FILME PANTEÍSTA?

O Jesus Cristo do filme "Maria Madalena", de Garth Davis, anuncia e alardeia a chegada do reino de Deus para breve, tanto que seu discípulo Judas interpreta isto como uma espécie de revolução que transformaria a face do mundo a partir da entrada do Messias em Jerusalém.

Mas Judas estava equivocado, e o reino de Deus, como bem percebeu Maria Madalena, reside na verdade ínsito em cada um de nós, como indivíduos, de forma latente, aguardando seu despertar. 

Ora, se Deus está em nós dessa forma imanente, então Jesus pode muito bem evocar e reivindicar sua própria natureza divina, assim como qualquer um o poderia.

Seria então esse filme um panfleto panteísta?

Mas, esperem: parece que o reino de Deus está em nós de forma apenas latente, impondo-se seu despertar, então o problema complica-se um pouco, pois é preciso uma certa "revolução" interna ou espiritual para seu advento. 

Enfim, um filme que nos põe a pensar, portanto um bom filme!

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)                   

  

domingo, 25 de março de 2018

BREVÍSSIMA CONJECTURA SOBRE O RACIONALISMO.

Temos de um lado o racionalismo absoluto de Hegel, para o qual o real é racional e o racional é real, caudatário do solipsismo tipicamente cartesiano; e de outro o determinismo absoluto caro aos estruturalistas, como Lévi-Strauss e Althusser, em que razão e liberdade ocupam espaço praticamente nulo.

A meio caminho desses dois extremos queda a psicanálise de Freud, que divisa o processo diacrônico e dinâmico entre razão e inconsciente, conquanto remanesça adstrito ao estudo do indivíduo. 

Mister se faz, pois, estudar a dinâmica diacrônica da relação social e histórica entre os processos eminentemente inconscientes e estruturais, de um lado, e os processos racionais de outro, sendo certo que o lastro teórico de tal investigação deva ser, por suposto, o materialismo histórico, que descortinou pioneiramente o movimento histórico das ideologias sociais na obra "A ideologia alemã".

Estou plenamente convencido de que, consoante tal lastro teórico, há uma tendência histórica bastante evidente pela qual o pensamento racional vai gradativamente tomando espaço dos processos inconscientes e estruturais, até um determinado momento em que as relações de produção e as forças produtivas apresentarão certo nível de desenvolvimento que permitirá um elevado grau de controle dos indivíduos livremente associados sobre seu modo de produção e seu devir histórico, modo de produção este associado ao advento do comunismo em escala mundial. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)               
              
           

domingo, 18 de março de 2018

"LOUIS ALTHUSSER COMETEU EXAGEROS, MAS ERA UM COMUNISTA SINCERO"

Além do bicentenário do advento de Karl Marx, este ano de 2018 marca o centenário de nascimento do polêmico filósofo marxista Louis Althusser, destacado dirigente do Partido Comunista Francês falecido em 1990, após dez anos de ostracismo intelectual por ter cometido, em 1980, homicídio contra sua própria companheira durante um surto psicótico decorrente de transtorno bipolar, doença então conhecida como psicose maníaco-depressiva, sendo certo, todavia, que este protagonista foi considerado inimputável e internado em manicômio judiciário. 

A obra de Althusser, influente e multifacetada, é geralmente associada ao marxismo e ao estruturalismo, e guarda entre suas características mais evidentes o assim designado "anti-humanismo teórico", pelo qual, grosso modo, examina o processo histórico de forma radicalmente objetiva e desprovida de sujeitos humanos, pois os indivíduos representariam meros vetores de determinações estruturais do capital. 

Meu camarada Lincoln Secco, professor livre-docente de história da USP, certa vez me asseverou, com razão, que Althusser cometeu exageros, mas era um comunista sincero. Eu também acredito nisso, pois podemos divisar, de certa forma, no anti-humanismo teórico desse filósofo uma vereda para o humanismo prático, nos seguintes termos:

Minha hipótese, resumidamente, consiste na ideia de que, em "A Ideologia Alemã", de Marx e Engels, reside o argumento de que, enquanto houver divisão em classes sociais, a "humanidade" somente pode ser um conceito vago e abstrato, ou seja, ideológico, sendo certo que sua realidade concreta somente será efetiva com o advento do comunismo a nível internacional, ou seja, com a extinção das classes sociais e também da divisão política entre países. Logo, o comunismo é que inaugura a humanidade em seu sentido prático e concreto, e os indivíduos deixarão de ser meros vetores de determinações estruturais do capital para desfrutarem da verdadeira liberdade, uma liberdade também prática e concreta. Nesse sentido, o humanismo em "A ideologia Alemã" é um humanismo histórico, prático e concreto, que peleja e luta pela construção da verdadeira humanidade sob a égide do comunismo, quando então os indivíduos concretos associados figurarão como efetivos sujeitos de sua própria história, com desdobramentos inclusive no plano da psique, pois as estruturas objetivas e inconscientes cederão espaço para uma consciência mais abrangente e uma razão mais poderosa. 

Não sei, e obviamente nunca poderei saber, se Althusser concordaria com tal hipótese, mas posso dizer, sem rebuços, que seu anti-humanismo estruturalista inspirou-a de forma bastante dialética, pois resgatou seu negativo na forma de um humanismo bem evidente no jovem Karl Marx e mesmo em "A ideologia alemã"

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)          

domingo, 11 de março de 2018

APONTAMENTOS PARA UM PROJETO DE ESTUDO MATERIALISTA DA PSIQUE HUMANA

Há que se distinguir, no curso histórico da produção e reprodução da vida material da sociedade humana, o trabalho (atividade econômica) do sexo (reprodução sexual).

Nesse diapasão, a atividade econômica, eminentemente social ou coletiva, deve ser estudada consoante as ferramentas conceituais derivadas ou inspiradas nos ensinamentos de Jung e Piaget, notadamente - numa leitura livre de tais autores - o inconsciente coletivo, o indivíduo e o que denominarei "consciência coletiva" ou "razão", esta última relacionada à produção de conhecimento ou ciência.

Já o escrutínio da reprodução sexual, mais restrito aos indivíduos participantes do ato sexual e, portanto, sem o mesmo caráter social da atividade econômica, deve ser lastreado nos ensinamentos de Freud, notadamente as acepções de ego, superego e id. 

O aspecto dinâmico ou histórico do desenvolvimento diacrônico e o entrelaçamento das duas instâncias (trabalho e sexo) deve contar com o elenco conceitual e lógico-dialético do materialismo histórico, pioneiramente evidenciado na obra de Marx e Engels, notadamente em "A ideologia alemã".

Cuida-se de projeto aberto a contribuições de terceiros.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA) 

sexta-feira, 9 de março de 2018

UM ASPECTO DE SADE

Na produção e reprodução da vida material da sociedade humana, faz-se mister considerar seus três fatores constitutivos: trabalho, violência e sexo (ou atividade sexual).

Quanto ao trabalho e à violência, já tive a oportunidade de desenvolver a ideia consoante a qual esta última consiste na antítese da primeira, o que resta evidente nas origens históricas da propriedade privada dos meios de produção, e aqui exoro licença para copiar ipsis literis um excerto do meu texto sobe Marx e Freud publicado neste blog, a saber:        

“No que pertine à gênese histórica da propriedade privada dos meios de produção, no caso, da propriedade fundiária, basta reter, por ora, que seus dois alicerces são: em primeiro lugar, o trabalho, mediante o qual certo grupo ou indivíduo apropria-se de determinados meios de produção delimitados, transformando a natureza em objetos satisfativos de suas necessidades fisiológicas ou espirituais; em segundo lugar, a violência, por meio da qual tal grupo obsta a turbação de sua posse por outros grupos ou indivíduos, privando-os, destarte, da satisfação das respectivas necessidades com tais meios de produção já previamente apropriados. Ora, se na propriedade privada coletiva de meios de produção dos membros das comunidades primitivas, vale dizer, no impropriamente denominado comunismo primitivo, a contradição entre trabalho e violência ainda resta latente, na constituição do Estado escravista antigo ela se desenvolve e engendra, de um lado, uma classe de escravos que só realiza trabalho, figurando também como meio de produção; e, de outro, uma classe aristocrático-militar cuja única atividade consiste em extorquir o produto do trabalho escravo por intermédio da violência. Mutatis mutandis, o Estado feudal guarda a mesma natureza do escravista, distinguindo-se deste apenas de forma quantitativa, na proporção da menor extorsão do produto excedente aos servos da gleba, bem menos espoliados que os escravos”

Decerto, por intermédio da violência, antítese do trabalho, a classe social de proprietários dos meios de produção submete a classe trabalhadora e extorque-lhe o excedente do produto econômico. Porém, a produção e reprodução da vida material da sociedade humana não se adstringe ao âmbito econômico, isto é, ao trabalho dos indivíduos concretos, mas pressupõe também a produção e reprodução desses próprios indivíduos concretos mediante a atividade sexual.

Tal atividade sexual, por óbvio, não se decompõe, como na atividade econômica, em classes sociais distintas que exercem respectivamente o trabalho e a violência, mas bifurca-se em gêneros distintos com funções distintas, a saber, o feminino e o masculino.

Destarte, por um processo de mímese, que cabe ainda estudar com mais profundidade, a atividade sexual frequentemente evoca e incorpora, em atos concretos e imagens psíquicas, a violência e a submissão típicas da antítese do trabalho na atividade econômica. 

Evidentemente, o sadismo consiste no mais acabado fenômeno social e psíquico atinente a tal mímese, sendo certo que o Marquês de Sade foi, até o momento, o mais explícito expoente deste fenômeno no âmbito literário. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)