sexta-feira, 9 de março de 2018

UM ASPECTO DE SADE

Na produção e reprodução da vida material da sociedade humana, faz-se mister considerar seus três fatores constitutivos: trabalho, violência e sexo (ou atividade sexual).

Quanto ao trabalho e à violência, já tive a oportunidade de desenvolver a ideia consoante a qual esta última consiste na antítese da primeira, o que resta evidente nas origens históricas da propriedade privada dos meios de produção, e aqui exoro licença para copiar ipsis literis um excerto do meu texto sobe Marx e Freud publicado neste blog, a saber:        

“No que pertine à gênese histórica da propriedade privada dos meios de produção, no caso, da propriedade fundiária, basta reter, por ora, que seus dois alicerces são: em primeiro lugar, o trabalho, mediante o qual certo grupo ou indivíduo apropria-se de determinados meios de produção delimitados, transformando a natureza em objetos satisfativos de suas necessidades fisiológicas ou espirituais; em segundo lugar, a violência, por meio da qual tal grupo obsta a turbação de sua posse por outros grupos ou indivíduos, privando-os, destarte, da satisfação das respectivas necessidades com tais meios de produção já previamente apropriados. Ora, se na propriedade privada coletiva de meios de produção dos membros das comunidades primitivas, vale dizer, no impropriamente denominado comunismo primitivo, a contradição entre trabalho e violência ainda resta latente, na constituição do Estado escravista antigo ela se desenvolve e engendra, de um lado, uma classe de escravos que só realiza trabalho, figurando também como meio de produção; e, de outro, uma classe aristocrático-militar cuja única atividade consiste em extorquir o produto do trabalho escravo por intermédio da violência. Mutatis mutandis, o Estado feudal guarda a mesma natureza do escravista, distinguindo-se deste apenas de forma quantitativa, na proporção da menor extorsão do produto excedente aos servos da gleba, bem menos espoliados que os escravos”

Decerto, por intermédio da violência, antítese do trabalho, a classe social de proprietários dos meios de produção submete a classe trabalhadora e extorque-lhe o excedente do produto econômico. Porém, a produção e reprodução da vida material da sociedade humana não se adstringe ao âmbito econômico, isto é, ao trabalho dos indivíduos concretos, mas pressupõe também a produção e reprodução desses próprios indivíduos concretos mediante a atividade sexual.

Tal atividade sexual, por óbvio, não se decompõe, como na atividade econômica, em classes sociais distintas que exercem respectivamente o trabalho e a violência, mas bifurca-se em gêneros distintos com funções distintas, a saber, o feminino e o masculino.

Destarte, por um processo de mímese, que cabe ainda estudar com mais profundidade, a atividade sexual frequentemente evoca e incorpora, em atos concretos e imagens psíquicas, a violência e a submissão típicas da antítese do trabalho na atividade econômica. 

Evidentemente, o sadismo consiste no mais acabado fenômeno social e psíquico atinente a tal mímese, sendo certo que o Marquês de Sade foi, até o momento, o mais explícito expoente deste fenômeno no âmbito literário. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)        
       



Um comentário:

  1. Luis Fernando, não há necessidade de exorar publicação de um texto e uma análise
    correta. Muito boa a sua analogia.
    Gostaria de concordar e colocar, reafirmando, dois pontos.
    1- O que distingue o escravo do servo, propriedade do senhor feudal, e o trabalhador no presente capitalismo?
    2- Qual o ponto em comum entre esses três representantes da produção do capital?
    No primeiro item, os dois primeiros, escravo e servo eram propriedade constituída dos seus senhores, enquanto o trabalhador, como um ítem importantíssimo dos meios de produção, possue um rendimento mínimo diário, mensal ou semanal, que o impede de reivindicar liberdade e, atentem, participação no lucro do capital que ele gerou com o seu trabalho.
    No segundo item, o ponto em comum entre os três representantes das sociedades produtivas está no fato deles terem liberdade para produzir e reproduzir sexualmente, resultando daí mais elementos novos e prontos para continuarem o processo de produção de capital.
    Para que não haja interrupção nesse processo o “clero” faz questão de mostrar o que está escrito no “livro”: “Crescei e multiplicai!” – sem interrupções!
    O espírito de Sade está inexoravelmente entranhado no processo que você descreveu, caso contrário não estaríamos vivendo essa nossa realidade.
    Um grande abraço para você!
    Parabéns mais uma vez!

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