quinta-feira, 15 de maio de 2014

DAVID CRONENBERG

“COSMÓPOLIS”

Há uma certa ininteligibilidade no filme “Cosmópolis”, de David Cronenberg: conquanto o enredo exiba-se simples, até mesmo banal, os diálogos torrenciais entre as personagens, em forma quase sempre de turbilhões enumerativos de coisas e fatos desconexos, aparentam uma complexidade desumana.

Mas, afinal de contas, porque o bilionário especulador financeiro Eric Packer deseja coisas como a capela Rothko, ou um velho avião bombardeiro soviético, ou ainda experimentar sensações como tomar um choque elétrico quase mortal após o intercurso carnal com a mulher de seu empregado que ele depois assassina levianamente, ou ainda sentir a dor decorrente de um tiro na própria mão?

Só vejo uma explicação para tudo isso: existe um abismo intransponível entre o mundo sensível das necessidades humanas e o mundo abstrato da acumulação infinita de capital, sendo certo que este último excede exponencialmente aquilo de que um indivíduo precisa.

Com efeito, o capitalismo não se explicita nem se explica nas coisas ou fatos da vida, ele ostenta uma racionalidade própria e desumana que não se deixa apreender empiricamente. Mas Cronenberg não pretende explicar o capital com sua película, mas tão somente mostrar o abismo acima referido, e o faz com maestria.

Agora, capela Rothko? Sim, pois, como já se aventou amiúde, a pintura abstrata corresponde exatamente à época do capital abstrato, empiricamente insensível. Seria necessário ser autista para compreender a verdadeira natureza do capital?

por Luis Fernando Franco Martins Ferreira, historiador e advogado. 

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