DOIS FILMES INSTIGANTES: OS HOMÔNIMOS “SOLARIS” DE ANDREI TARKOVSKI (1972) E STEVEN SODERBERGH (2002)
As duas películas em testilha, lastreadas no romance também homônimo do ficcionista polonês Stanislaw Lem, oferecem dois belos espetáculos visuais que inclusive despertam para a reflexão sobre alguns temas de jaez filosófico bastante inquietantes. Ousamos, neste singelo opúsculo, expor algumas reflexões assim despertadas.
Cediço é que trabalho e sexo consistem nas formas básicas de produção e reprodução, respectivamente, da vida material da sociedade e da espécie humana.
No primeiro caso, o marxismo colimou suplantar a alienação econômica capitalista mediante a substituição da sociedade política pela sociedade regulada, na formulação brilhantemente sintética de Antonio Gramsci: cuida-se de instituir a planificação econômica pela classe trabalhadora em superação da desordem caótica do capital, sujeita a crises periódicas e multiplicação da miséria.
Hodiernamente, a engenharia genética e a clonagem buscam sobrepujar o que eu denominaria “alienação reprodutiva ou sexual”. Explico: decerto os seres humanos reproduzem-se pelo sexo, mas o fruto dele não corresponde ao desejo dos pais, ou seja, é impossível prever exatamente como será o filho ou filha. A genética, manifestamente ou não, pretende resolver essa alienação.
O planeta “Solaris” dos filmes homônimos guarda a capacidade de materializar entes humanos já ceifados pela morte e que são queridos e desejados pelos protagonistas. É a utopia da genética, essa certa imortalidade do desejado, mas há problemas aí: o objeto do desejo, materializado, também é sujeito de desejos, sendo certo ainda que esse poder conferido pelo planeta Solaris aos protagonistas da película revela-se potencialmente indesejável.
A controvérsia sobre o poder impõe-se, destarte, não apenas na questão econômica, mas também na questão da reprodução da própria espécie humana.
O interessante dos filmes, demais disso, consiste em verificar que, no essencial, a exploração do espaço sideral pelos humanos representa, em verdade, uma busca não pelo desconhecido, e sim por um espelho, mas um espelho tocado pela imortalidade ou, ao menos, pela regeneração, como o fígado de Prometeu. Não por acaso, a estação espacial que orbita o planeta Solaris leva o nome dessa figura da mitologia grega.
(Por Luis Fernando Franco Martins Ferreira)
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