“NINFOMANÍACA”, UM FILME SEM HISTÓRIA.
No filme “Ninfomaníaca”, de Lars von Trier, não há personagens, mas conceitos.
Com efeito, o duelo verbal entre Joe e Seligman reproduz a provecta ruptura filosófica entre corpo e alma, formulada já com rigor desde, pelo menos, a obra de Platão.
Tal cesura na Filosofia, cabe observar, mostrou-se muito fértil e duradoura, com desdobramentos na oposição entre aparência e essência, hedonismo e estoicismo, empirismo e racionalismo, existencialismo e estruturalismo, arte e ciência, enfim, entre o mundo dos sentidos e o mundo da inteligibilidade.
Mas tais dicotomias, a saber, tais conceitos antípodas e estanques passaram por uma rigorosa reavaliação por intermédio da dialética de Hegel e Marx, para os quais a inteligibilidade reside no tempo, quer dizer, no processo histórico.
Sucede, no entanto, que esses dois pensadores dialéticos somente consideraram a história da sociedade e ofuscaram, destarte, a história individual.
O indivíduo e sua história foram mais recentemente prestigiados em autores como Freud e Piaget, os quais perceberam e sistematizaram com nitidez a inteligibilidade do evolver temporal de cada ser humano.
Mas, retomando a película de Lars von Trier, impõe-se dizer que Joe e Seligman não têm história, não evoluem, pois a sexualidade da primeira é constante, homogênea e onipresente desde a infância até a velhice, ao passo que a do velho Seligman é nula desde sempre.
Assim, os personagens dissolvem-se em conceitos atemporais, na dicotomia entre corpo (Joe) e alma (Seligman), e perde-se qualquer inteligibilidade.
Cabe indagar: será que Von Trier preocupa-se com inteligibilidade? Creio que não, conquanto o cinema mostre a imagem no tempo, com abranger, portanto, sentido e processo. Logo, uma arte que poderia ensinar.
Por Luis Fernando Franco Martins Ferreira, historiador e advogado.
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